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A (IN)UTILIDADE DA METAFÍSICA
Apesar da solidão
da noite estou inquieto e a angústia existencial não me abandona. A minha
vontade não está suficientemente determinada a encetar quaisquer especulações.
O cérebro está mais interessado na quietude, na ausência de pensamento, que a
música de Vivaldi e Bach inspira ou propicia. Tal parece bastar para demonstrar
cabalmente a minha existência e a sua real relação com tudo o que me envolve. –
Bastará?
Por outro lado,
procuro destruir todos os meus condicionamentos para que a investigação seja
“inocente” e possa atingir a verdade. Mas, por muito esforço que empregue,
nunca os conseguirei exterminar na sua totalidade, tendo que conviver com as
limitações que daí irão decorrer. O mesmo se diga relativamente ao que julgo
certo ou errado, verdadeiro ou falso. A tentativa de só qualificar como certo o
indubitavelmente certo e nada por errado, padece dos mesmos limites naturais de
que padece o empreendimento improdutivo gerado com o intuito de aniquilar os
condicionamentos.
Conseguirei
exterminar parte das minhas impressões residuais alojadas na memória, de modo a
que as que restem não sejam suficientes para causarem a ruína das minhas
especulações? – Tenho dúvidas.
Com estes
pensamentos, com este cepticismo que parece aconselhar a suspensão das
divagações a que nos propomos, não estaremos desde já a preconizar o naufrágio
de embarcação pouco sólida contra os rochedos inabaláveis da barra? Não
estaremos a trilhar vereda inútil de rumo quase-determinado, que assim
qualificamos por não estar definido com exactidão? – Talvez.
Não
prognosticamos já, por as termos reflectido no passado, as deduções finais,
viciando todo o procedimento especulativo? – Possivelmente.
A noite é longa e
sento-me agora ao computador, fumando um cigarro de maço que anuncia a morte
prematura dos fumadores. Os dedos percorrem o teclado, que quebra o silêncio da
noite com breves e leves sons de percussão. Massajo de quando em vez a perna
esquerda maltratada por longas horas ao leme de veleiros. Volto à música, que
quebra o silêncio de breu entrado pela porta do terraço que espreita o Tejo. Os
meus ouvidos comprazem-se com a Sinfonia dos Brinquedos, que evoca a
minha infância e todas as sensações do vale de minha paixão: o cheiro dos
pinheirais, da terra molhada de Outono, das plantas aquáticas a vogar
arrastadas no ribeiro pela força da corrente, a visão dos lameiros de milhão
doirado pelo sol, da água a saltar de pedra em pedra sob o olhar atento dos
rebanhos em movimento, os cantares das aves e o leve sussurrar do vento nos
salgueiros, bem como a alegria da festa da aldeia acompanhada da música de um
acordeão e dos pífaros adquiridos às quitandeiras e soprados ao acaso pela
criançada em acompanhamento dissonante. O telefone toca. Alguém me fala. Ouço a
voz dela, falo e ouço a minha própria voz. Não me apetece falar; estou no fim
de um resfriado que me afectou o ouvido direito, fazendo com que parte da minha
voz fique retida no interior do crânio. É um incómodo, suportável, mas
desagradável. Volto ao computador. Quando me limito a narrar o momento, o
agora, sinto que os meus músculos se distendem e a sucessão de pensamentos
perde a turbulência da dúvida. Há um afrouxamento da tensão física e
psicológica, restando uma leveza dulcificada, sensação de plenitude gerada pela
quase ausência do pensamento.
Tudo parece
indicar que tanto eu quanto o resto do mundo existe. O senso comum atesta-o.
Mas, existirei eu? E os outros? E o próprio mundo?
Foi pelos
sentidos e não pela razão, que terei percepcionado o mundo e a minha existência
nas suas múltiplas manifestações. Os sentidos precedem a razão e por via dessa
constatação, terei de afirmar não apenas com elevado grau de convicção, mas com
uma certeza inatacável, de que o conhecimento de mim mesmo e de tudo o que me
rodeia, por intermédio das sensações que me são proporcionadas é efectivamente
verdadeiro? – Talvez sim, talvez não.
Por enquanto, não
sei o que é verdadeiro ou falso. Também não sei se o virei alguma vez a saber.
Até ao momento identifiquei pensamentos e sensações, que estribados no senso
comum atestam ainda que dubitativamente, quer a minha existência quer a do
mundo que me rodeia com todos os seus elementos estruturais, não obstante tal
asseveração empírica não implique o reconhecimento exacto e certo da minha
existência e da do mundo.
Mas pior
estaremos quando nos debruçarmos sobre a existência e essência de Deus – a
quem a partir daqui apelidaremos de Génio –, da alma, da imortalidade e, da
criação do cosmos, por em nada o senso comum acorrer em nosso auxilio.
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