quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

NOTA INTRODUTÓRIA AO BLOGUE



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A (IN)UTILIDADE DA METAFÍSICA



A temática da existência de Deus está intimamente ligada à da alma e da própria morte. São indubitavelmente as grandes questões do humano, bastas vezes conducentes a uma destrutiva angústia existencial.
Neste sítio limitamo-nos a enunciar, ainda que com algum rigor sistemático, meras especulações de carácter filosófico, na expectativa de que possam servir de base à discussão pública dos leitores, sejam quais forem as suas crenças e opiniões e concordem ou não com as nossas.


Os artigos estão numerados e podem ser lidos sequencialmente - veja na coluna do lado direito o item ARQUIVO DO BLOGUE e clique no artigo que pretender ler.

Para uma melhor versão dos temas versados, veja:

Deus, Alma e Morte na História do Pensamento Ocidental

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I - DA METAFÍSICA



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A (IN)UTILIDADE DA METAFÍSICA




A palavra metafísica surge no século I a.C. com Andrónico de Rodes, que ao classificar os escritos de Aristóteles designou com tal denominação os textos que se seguiam à Física. Em termos meramente literais, metafísica é o que vem depois da física.

A metafísica faz uso da razão e não da revelação religiosa como ocorre com a teologia revelada, para atingir respostas a questões cujo objecto são realidades imateriais, tais como Deus, a alma, a morte e seu significado. A metafísica começa onde todas as outras ciências terminam.


Na perspectiva de alguns pensadores, nomeadamente Kant, a incognoscibilidade de tais inquietações conduz fatalmente a uma ilusão transcendental – este é um dos seus sentidos críticos. Não obstante, mesmo que o seu decesso já tenha sido anunciado um sem número de vezes, assistimos ao seu renascimento renovado. Efectivamente, com este filósofo da modernidade – tornado famoso entre outros, pela sua Crítica da Razão Pura –, a metafísica parece ultrapassada. Mas se por um lado a parece derrotar pela Crítica, tem a convicção de que não se extinguirá, pelo menos como uma disposição profunda da natureza humana. Neste sentido são esclarecedoras as palavras quase proféticas com que termina a dita Crítica da Razão Pura: “podemos estar certos de que voltaremos sempre à metafísica como a uma amada com a qual por vezes discutimos; e isto, porque a razão, uma vez que se trata de fins essenciais, tem de trabalhar sem descanso ou na aquisição de um saber sólido ou na destruição dos bons conhecimentos já adquiridos.”



Quer queiramos quer não, a busca da permanência é algo que está profundamente enraizado no homem, enquanto e desde que o é, sendo uma das motivações fundamentais que o conduziram à filosofia. Deus e a imortalidade são as duas pedras angulares do instinto de segurança do ser humano.

No entanto, como refere James Jeans, antes de falarem, os filósofos devem pedir à ciência auxílio no que toca à eventual verificação de factos e hipóteses provisórias, só então, podendo a sua análise e discussão transcorrer legitimamente para o domínio da filosofia.

É interessante realçar, que quer Descartes quer Leibniz, que podem legitimamente considerar-se como dois dos principais alicerces da ciência, foram eminentes metafísicos.



Quando crianças e na adolescência nos começamos a questionar sobre questões insolúveis ou para as quais apenas recebemos respostas insatisfatórias, somos desde logo metafísicos:
-         Onde está o avô que morreu, está no céu?
-         O que é a alma?
        Quem é Deus?
-         Quem fez Deus?
-         Porque é que eu nasci?
-         Porque tenho de morrer?

As questões metafísicas são questões sem resposta satisfatória, mas mesmo assim, enquanto existirem homens estou certo de que não deixarão de ser formuladas. A sua inoperância é manifestamente suplantada pela angústia que decorre de uma inquietude essencial.

O homem, na eminência da sua extinção, sofre – a menos que, considerando o absurdo da sua existência tenha optado pelo suicídio. Na constatação de que morre sozinho – Pascal –, busca ardentemente um alívio, que é antes do mais uma esperança, caso não se resigne à fatalidade do decesso. E a sua esperança reside em Deus e na imortalidade da alma.

Deus é o resultado de um julgamento espontâneo da razão – S. Tomás –, uma ideia inata – Descartes –, uma pura intuição intelectual – Malebranche –, a ideia resultante do poder unificador da razão humana – Kant –, um fantasma da imaginação – Huxley –, ou o fracasso de um sem número de seres pensantes atormentados por atroz angústia existencial?

O problema de Deus, da alma, do sentido da vida e da morte e suas implicações espirituais, não é susceptível de análise científica, não são factos empiricamente observáveis. A ciência reduz-se à explicação dos fenómenos, não às suas razões existenciais, aos porquês.

Mesmo que possamos conhecer a sua existência, não o compreendemos nem compreenderemos, por desconhecermos a sua essência.



A grande questão metafísica, segundo Leibniz, e na sequência deste, de Heidegger, é a de saber porque existe alguma coisa em vez de nada. É a grande questão da filosofia.

Existindo, o homem é um “ser-para-a-sua-morte”. Desespera-nos a ideia que desde o momento do nosso nascimento começamos imediatamente a morrer, e morremos sozinhos. Conseguimos imaginar o nosso próprio nada? Ou algo de carácter imperativo nascido nos confins da nossa mente, vem assegurar-nos a existência de uma alma imortal que um Deus criador receberá no seu seio após o nosso decesso?

Mas, se não conseguimos definir a vida, encontrar o seu sentido – se é que algum sentido tem –, como poderemos compreender a morte? Por outro lado, mesmo que ateste a minha existência, a minha essência e liberdade, estarei em condições de responder à questão: porque existe o ser em vez do não-ser, do nada?

Onde finda a metafísica, inicia-se a teologia com as suas revelações, mediações e dogmas.
Se Pascal renunciou à filosofia em detrimento da religião, outros abandonaram-na em detrimento daquela, na esperança de que a razão solucionasse as suas mais profundas inquietações.
As religiões respondem na prática a todas as questões metafísicas. Mas se a razão é absolutamente falível pelas suas naturais limitações, que dizer da fé que não é uma afeição racionalizada, mas antes um sentimento?



Aristóteles considera que “ou se deve filosofar ou não se deve: mas para decidir não filosofar é ainda e sempre necessário filosofar; assim, em qualquer caso é necessário filosofar”, mesmo com o risco da metafísica ser remetida para o vidrão da reciclagem do conhecimento, facto expresso pelas palavras do poeta :
“Há metafísica bastante em não pensar em nada”.

Não serão os pensamentos dos homens meras brincadeiras de crianças, como afirmou Heraclito?


Havendo que aferir da utilidade ou inutilidade da metafísica com base no pressuposto de que a filosofia deve ser um saber essencial na direcção da felicidade da vida humana, que filósofo melhor nos poderia orientar pelo caminho (in)seguro da razão do que Descartes? Que obra excelente nos poderá conduzir na indagação a que nos propomos, independentemente dos resultados e do modo desordenado como o faremos, que as suas Meditações Metafísicas?

René Descartes começou por procurar a verdade nos livros, nas obras consagradas e incontestadas de eruditos famosos. Não satisfeito, percorreu mundo buscando a sabedoria no Grande Livro da Vida. Mas, as mesmas contradições dos filósofos julgou encontrá-las na vida. A partir daí, decidiu investigar a tão almejada verdade em si mesmo, por intermédio do seu pensamento, fazendo ou pretendendo fazer tábua rasa de tudo o que havia aprendido.

Morreu em Estocolmo em consequência da rigorosa invernia sueca, com cinquenta e quatro anos, tendo sido sepultado no cemitério das crianças que faleceram antes de terem atingido a idade da razão.
Ironia ou ensinamento de que a verdade é propriedade dos “inocentes” e não de racionalistas?


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II - DESCARTES - O MÉTODO



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A (IN)UTILIDADE DA METAFÍSICA




René Descartes nasceu em Haia em 1596. Trabalhava escassas horas e lia pouco. A sua obra terá sido realizada em curtos períodos de elevada concentração.

Das suas obras, realçamos aqui o Discurso do Método e as Meditações Metafísicas, estudo que nos orientará, ainda que de forma pouco organizada nas nossas especulações.

As Meditações Metafísicas (a respeito da filosofia primeira nas quais a existência de Deus e a distinção real entre a alma e o corpo do homem são demonstráveis) constituem-se como verdadeira obra-prima, que deve ser lida tal como se nos apresenta, já que o filósofo intentou apoiar-se apenas em si próprio – sem pretensamente recorrer a influências externas – para atingir a verdade.
Divide-se em seis meditações:
-         A primeira trata da dúvida;
        A segunda conduz o filósofo à certeza do que é, do que existe;
-         Pela terceira, demonstra a existência de Deus;
-         A quarta, demonstra como somos responsáveis pelos nossos erros;
-         A quinta, demonstra também a existência de Deus – argumento ontológico; e
-         A sexta trata da questão atinente aos objectos exteriores.


É com Descartes que se inicia em plenitude a Idade Moderna. Busca o conhecimento que brota de si mesmo e das inúmeras experiências que o mundo lhe proporciona.

A investigação de Descartes é dominada pelo próprio homem Descartes, tal como Montaigne já havia feito. Há nele um verdadeiro procedimento autobiográfico. Não pretende doutrinar o seu método de direcção da razão, mas apenas demonstrar como o fez. O seu problema fundamental, prende-se com a recta razão, com a sabedoria de vida. Mas, quer queiramos quer não, na sociedade humana existe o que podemos denominar de unidade da razão, e o seu método de individual passa a ser geral. A distinção entre o verdadeiro e o falso é igual em todos os homens, desde que o bom senso impere nas suas mentes.

O seu método, considerou fecundamente o processo matemático, devendo ter um espectro universal e a sua aplicabilidade nos mais variados ramos do conhecimento. Definiu-o como o conjunto de normas, que impossibilitam confundir falso e verdadeiro, e são idóneas na condução do ser humano ao conhecimento possível – já que nem tudo é objecto de conhecimento.


O Discurso do Método estabelece quatro regras absolutamente essenciais:
- A evidência – para aceitarmos alguma coisa por verdadeira, não podemos ter qualquer dúvida sobre a sua veracidade. À evidência opõe-se a conjectura, que é no essencial, dúvida, mesmo que temporária. A evidência é atingida por intermédio da intuição, aqui entendida como um conceito da mente, que no estado de pureza e de atenção não é atingida por qualquer dúvida objecto do pensamento;
- A análise – as questões devem ser observadas no maior número de partes possível, simplificando-as, para que a razão possa ter um entendimento mais perfeito;
- A síntese – conduzir a investigação do mais simples para o mais complexo, é regra de ouro;
- A enumeração – o investigador deve realizar enumerações exaustivas e revisões gerais, de molde a que tenha a convicção de nada ter omitido.

Descartes duvida do conhecimento sensível – a dúvida é um conceito universal, neste particular. Posso em boa verdade, de tudo duvidar. De Deus, dos astros, do meu próprio corpo, mas não posso duvidar de que o meu pensamento – independentemente de ter sido ou não induzido em erro – é um nada, tal como um nada é a coisa que o pensa. Deste modo, a única proposição absolutamente verdadeira, é o “penso, logo existo”. Eu existo, significa apenas que eu sou uma “coisa” pensante – não posso, no entanto, afirmar que se trate de um corpo.

Deus visto como infinito, eterno, criador, omnipotente e omnisciente, não pode ter sido idealizado por um ser que não comunga de tal perfeição. A causa de ideia de um Ser com tais atributos só pode ser fruto de um Ser idêntico e não do homem Descartes, que considera que a simples presença na sua mente da ideia de Deus, demonstra cabalmente a sua existência. Dele, temos uma ideia inata, como Ser sumamente perfeito, um ser que existe por si, é uno, e é uma poderosa e infinita fonte de existência. Esta ideia, é tal como a marca do artífice realizada na sua obra.

Diz-se que o conceito cartesiano de Deus, de religioso nada tem. Pascal acusa-o do seu Deus nada ter a ver com o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, com o Deus do cristianismo. Mas, o Deus de Descartes não será o Deus cristão? Ter-se-á realmente o filósofo libertado dos seus condicionamentos, nomeadamente de uma esmerada educação religiosa e das doutrinas expendidas pelos filósofos cristãos que o precederam? – Temos dúvidas, assim como duvidamos à partida da nossa capacidade de o fazer. Quer queiramos quer não, vivemos sobre “os ossos” dos nossos antepassados.


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III - O QUE É VERDADEIRO OU FALSO?



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Apesar da solidão da noite estou inquieto e a angústia existencial não me abandona. A minha vontade não está suficientemente determinada a encetar quaisquer especulações. O cérebro está mais interessado na quietude, na ausência de pensamento, que a música de Vivaldi e Bach inspira ou propicia. Tal parece bastar para demonstrar cabalmente a minha existência e a sua real relação com tudo o que me envolve. – Bastará?
Por outro lado, procuro destruir todos os meus condicionamentos para que a investigação seja “inocente” e possa atingir a verdade. Mas, por muito esforço que empregue, nunca os conseguirei exterminar na sua totalidade, tendo que conviver com as limitações que daí irão decorrer. O mesmo se diga relativamente ao que julgo certo ou errado, verdadeiro ou falso. A tentativa de só qualificar como certo o indubitavelmente certo e nada por errado, padece dos mesmos limites naturais de que padece o empreendimento improdutivo gerado com o intuito de aniquilar os condicionamentos.
Conseguirei exterminar parte das minhas impressões residuais alojadas na memória, de modo a que as que restem não sejam suficientes para causarem a ruína das minhas especulações? – Tenho dúvidas.
Com estes pensamentos, com este cepticismo que parece aconselhar a suspensão das divagações a que nos propomos, não estaremos desde já a preconizar o naufrágio de embarcação pouco sólida contra os rochedos inabaláveis da barra? Não estaremos a trilhar vereda inútil de rumo quase-determinado, que assim qualificamos por não estar definido com exactidão? – Talvez.
Não prognosticamos já, por as termos reflectido no passado, as deduções finais, viciando todo o procedimento especulativo? – Possivelmente.

A noite é longa e sento-me agora ao computador, fumando um cigarro de maço que anuncia a morte prematura dos fumadores. Os dedos percorrem o teclado, que quebra o silêncio da noite com breves e leves sons de percussão. Massajo de quando em vez a perna esquerda maltratada por longas horas ao leme de veleiros. Volto à música, que quebra o silêncio de breu entrado pela porta do terraço que espreita o Tejo. Os meus ouvidos comprazem-se com a Sinfonia dos Brinquedos, que evoca a minha infância e todas as sensações do vale de minha paixão: o cheiro dos pinheirais, da terra molhada de Outono, das plantas aquáticas a vogar arrastadas no ribeiro pela força da corrente, a visão dos lameiros de milhão doirado pelo sol, da água a saltar de pedra em pedra sob o olhar atento dos rebanhos em movimento, os cantares das aves e o leve sussurrar do vento nos salgueiros, bem como a alegria da festa da aldeia acompanhada da música de um acordeão e dos pífaros adquiridos às quitandeiras e soprados ao acaso pela criançada em acompanhamento dissonante. O telefone toca. Alguém me fala. Ouço a voz dela, falo e ouço a minha própria voz. Não me apetece falar; estou no fim de um resfriado que me afectou o ouvido direito, fazendo com que parte da minha voz fique retida no interior do crânio. É um incómodo, suportável, mas desagradável. Volto ao computador. Quando me limito a narrar o momento, o agora, sinto que os meus músculos se distendem e a sucessão de pensamentos perde a turbulência da dúvida. Há um afrouxamento da tensão física e psicológica, restando uma leveza dulcificada, sensação de plenitude gerada pela quase ausência do pensamento.
Tudo parece indicar que tanto eu quanto o resto do mundo existe. O senso comum atesta-o. Mas, existirei eu? E os outros? E o próprio mundo?

Foi pelos sentidos e não pela razão, que terei percepcionado o mundo e a minha existência nas suas múltiplas manifestações. Os sentidos precedem a razão e por via dessa constatação, terei de afirmar não apenas com elevado grau de convicção, mas com uma certeza inatacável, de que o conhecimento de mim mesmo e de tudo o que me rodeia, por intermédio das sensações que me são proporcionadas é efectivamente verdadeiro? – Talvez sim, talvez não.

Por enquanto, não sei o que é verdadeiro ou falso. Também não sei se o virei alguma vez a saber. Até ao momento identifiquei pensamentos e sensações, que estribados no senso comum atestam ainda que dubitativamente, quer a minha existência quer a do mundo que me rodeia com todos os seus elementos estruturais, não obstante tal asseveração empírica não implique o reconhecimento exacto e certo da minha existência e da do mundo. 
Mas pior estaremos quando nos debruçarmos sobre a existência e essência de Deus – a quem a partir daqui apelidaremos de Génio –, da alma, da imortalidade e, da criação do cosmos, por em nada o senso comum acorrer em nosso auxilio.


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IV - QUEM SOU EU? - REALIDADE OU ILUSÃO



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Não poderei ser eu uma mera ilusão, um dos “entes” em que se decompõe o sonho do Génio?
Ou eu mesmo sonho, julgando estar acordado? E estou acordado quando sonho?
Tal como Chuang Tse, que sonhou ser uma borboleta, esvoaçando por aqui e por ali, como se em espaço infinito, deliciando-se com a vida, sem saber quem era, isenta do eu, ao acordar verificou que era precisamente Chuang Tse, podemos questionar-nos:
- Sonhou Chuang Tse que era uma borboleta, ou foi a borboleta que sonhou que era Chuang Tse?

Se eu for um dos elementos de sonho do Génio ou de qualquer outra entidade, existirei enquanto realidade própria?
É indício de distinção entre realidade e sonho, o facto deste último nos surgir de modo ilógico, bastas vezes de modo descontinuado e sem sentido? E quem nos diz, que essa aparência incoerente não se constitui como a verdadeira realidade?


Como já anotámos, é pelos sentidos que começamos a percepcionar o mundo.
Mas, não são estes causa de múltiplas ilusões? Ilusões auditivas, olfactivas, visuais, como a corda que ao crepúsculo confundimos com a serpente e nos faz recuar no caminho.
E sendo elementos causais de ilusões, poderão ser merecedores de crédito?

Será que os objectos percebidos pelos sentidos só têm existência enquanto representados no nosso espírito, ou seja, não têm realidade independente da nossa percepção?
Inexistirá a matéria, nada existindo no mundo para além do espírito e das ideias?
Não obstante, as coisas hão-de existir sempre como ideia no espírito do Génio?
E todo o pensamento, seja daquilo que for, é uma ideia na mente do pensador?
Nesta perspectiva, só as ideias na mente podem ser pensadas e a matéria é contestada, conquanto desunida do espírito de modo intrínseco.
Poderíamos ser levados a pensar que esta corrente filosófica negaria em toda a sua amplitude a existência real dos objectos e dos seres percepcionados. Não nos parece, já que sendo ideias no espírito do Génio têm a sua realidade determinada por este facto.
De qualquer modo, suponhamos então que não me é permitido duvidar dos meus sentidos – embora lhe reconheça limitações substanciais na distinção possível entre aparência e realidade, já que a maior parte dos objectos da nossa percepção surge-nos não como “realidade”, mas como “aparência” –, ou melhor dizendo, dos dados por estes obtidos. Sei assim, que a lagoa do cimo da montanha existe, e que não deixa de existir quando uma nuvem espessa a toca com suavidade no seu movimento descendente, fazendo-a desaparecer aos meus olhos. Não obstante, esta lagoa que vejo não é a mesma para mim e para todos os que comigo estão. Surge-nos como consequência da perspectiva – em função do nosso posicionamento nas suas margens –, que por seu turno se alia à reflexão da luz para criar uma determinada imagem ou ideia específica.
Sem que queira precipitar juízos, estou relativamente convicto, ainda que na dúvida, que não devo admitir com imprudência juvenil todos os dados proporcionados pelos sentidos, já que serão porventura eles, que mais frequentemente me poderão apontar o que é verdadeiro e o que é falso – indagação a relegar para momento posterior.

Podemos também ponderar a hipótese da Realidade pertencer a um único ente, ao dito Génio, inexistindo o mundo na perspectiva de que quando vemos os seres e objectos pelo prisma da multiplicidade são irreais, ou seja, os fenómenos são ilusórios quando considerados como estando separados do Génio e reais quando contemplados na perspectiva da unidade. Assim, só o Génio seria real; o Universo seria irreal e o espírito individual mais não seria do que o Espírito Universal. A dualidade seria sempre ilusória.


Nas várias hipóteses especulativas, é bem possível que o Génioaqui manifestamente adjectivado como Génio do Mal – me engane, fazendo com que tudo o que por certo se me apresente seja pura ilusão, para sua diversão e entretenimento; a eternidade deve ser um tédio, e fazer “paciências” para todo-o-sempre também cansa.
Ou que um outro tipo de Génio, subalterno de um outro Génio qualquer, tenha também sido dolosamente enganado e em consequência gere inconscientemente todas as situações ilusórias.

Nesta conjuntura, com um Génio Todo-Poderoso – seja do Mal seja do Bem – nada poderá ser reputado de certo ou errado, mesmo o que comumente designamos como verdades matemáticas.
Um mais um podem não ser dois, mas três e, um triângulo pode ter quatro lados, já que qualquer erro pode ser levado às suas últimas consequências, ou o ente-todo-poderoso o não seria.
Não temos, pois, qualquer critério seguro que nos permita afirmar a existência de algo certo neste mundo. Não temos também critério que nos permita identificar o que está errado ou o que é falso. E, nestes domínios de floresta impenetrável, não é “crendo” que se sabe ou “sabendo”  que se crê.
Resta-nos, parece, a certeza de que nada de certo ou errado, de verdadeiro ou falso possa ter existência.


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V - QUEM SOU EU? PENSO, LOGO EXISTO? SINTO, LOGO EXISTO?



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Fim de tarde. Continuo a pensar, mas faço-o com alguma ligeireza. No meu espírito – e será que este espírito é meu? – instalou-se a dúvida que já não é metódica, a dúvida truculenta de cérebro atormentado.
Os pensamentos sucedem-se, amontoam-se, precipitam-se. Há angústia, ansiedade, algum desespero e dúvida, aqui e além aclarada por efémeras iluminações.

Se é o nosso Génio que me engana, me ilude, não existirei enquanto vítima de ilusão?
Por muito iludido que seja, poderei ser um nada, já que penso ser algo, mesmo não sabendo o quê e contra vontade do dito Génio?
A questão na sua essência, é a de que eu não sou na hipótese suposta um “ser” sujeito a ilusões, mas uma ilusão, um efeito que procura reproduzir com fidelidade a impressão de realidade; não uma realidade sujeita a ilusões que tendem a satisfazer a omnipotência prazenteira do Génio. E, se este tudo pode, não necessita para atingir os seus objectivos incognoscíveis de uma realidade estranha à sua criação.

Mas, eu posso dizer:
Eu não sei quem sou, mas sou e assim existo;
Eu sou um ente que pensa, que faz deduções, que julga distinguir o bem do mal, que faz afirmações e negações, que rejeita e aceita, que imagina, que se ilude a si mesmo e aos outros, que sente, que sofre psicológica e fisicamente.
Não sei quem sou, mas existo porque penso, porque duvido.

Deste modo, parece ser essencialmente pelo espírito que nos é dado o conhecimento. Poderá assim afirmar-se que apenas o que nos é exterior pode – ou deve – ser ilusão, não se incluindo nesta categoria o pensamento, mesmo que a razão esteja sujeita a erros? Não nos parece. O resultado de tal especulação diminuiria substancialmente os poderes do Génio, demitindo-o da fracção mais consequente da sua obra: a criação do indíviduo-ilusão, ente complexo no domínio bio-psico-social-ilusório. E não é enganado, seja por quem for, que poderei afirmar que serei sempre uma qualquer coisa, desde que pense sê-lo. Eu sou – hipoteticamente – uma ilusão que pensa, uma ilusão que duvida, uma ilusão que sofre, que se angustia e deprime, uma ilusão sobre a qual recaem inúmeros males. Eu sou uma ilusão e logo existo, pode ser verdade, mas caso seja uma ilusão que existe enquanto ilusão-pensamento.
Por outro lado, não seria menos verdadeiro – provavelmente até mais certo - do que o “penso, logo existo”, o “sinto, logo existo”.


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VI - A NOSSA EXISTÊNCIA - O DEUS DOS FILÓSOFOS


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Das especulações antecedentes, podemos reter, ainda que de modo sumário, que podemos existir, nomeadamente, enquanto:
-         realidades autónomas ou próprias, fruto do acaso;
-         realidades que apenas o são, conquanto integradas numa Realidade Única;
        realidades criadas pelo desígnio de um Génio do Bem;
        realidades criadas pelo desígnio de um Génio do Mal;
-         ilusão gerada por um Génio do Mal ou por um Génio da Indiferença, alheio aos males do mundo e da sua criação.
O mesmo se poderá dizer do Universo – ou Multiverso – e dos entes que o compõem.

A questão que por ora irá assoberbar o nosso espírito, prende-se com a eventual existência do Génioa quem historicamente denominamos Deus – e da sua natureza.
Na indagação da realidade do Génio, vão desfilando na história da filosofia e das religiões os mais díspares conceitos, que se arrastam desde os primórdios da humanidade. Génio que é uma entidade suprema, identificada com uma existência absoluta, substância eterna, infinita, permanente, que se satisfaz a si mesma, subsistindo por si, omnisciente, toda-poderosa, que cria e é livre no acto da criação, e pela qual tudo o que existe é consequência dessa criação. Este o Génio do Bem, Génio de um grande número de filósofos, em que a própria ideia de bondade e acerto lhe é inerente por natureza. Filósofos que por intermédio das suas cogitações são exímios na criação e no homicídio de Génios.
Para uns, o resultado de um julgamento espontâneo da razão, uma ideia inata, uma pura intuição intelectual, a ideia do poder unificador da razão humana, enquanto que para outros, um fantasma da imaginação ou o fracasso de um sem número de seres pensantes atormentados por uma irremediável angústia existencial.
Poderá este deus (Génio) dos filósofos, ser também o deus de uma determinada religião? O deus dos filósofos é o deus da razão, da aritmética, da geometria, dos que reduzem a vida aos argumentos e demonstrações racionais, sendo um deus de infelizes fracassados. Um deus dos fracassos e dos fracassados não pode obviamente ser religioso, palavra que empregamos no seu verdadeiro e mais rigoroso significado.


Poderemos afirmar que o Génio do Bem existe?
Suponhamos que eu sou uma substância finita e que a ideia desta está em mim. Só pelo facto de ter também na minha mente a ideia de uma substância infinita, isto consigna que a mesma me foi comunicada por ela própria? Ou seja, se considero a possibilidade de existência de uma substancia infinita – infinito concebido pela negação do que é finito -, é por ter desta obtido o seu conhecimento? E haverá mais realidade na substância infinita do que na finita, tendo por isso, primeiramente a noção daquela, isto é a do Génio do que de mim próprio?
Supondo a minha existência real, existindo em mim a ideia de um ser-de-perfeição, tal bastará para demonstrar a existência do Génio, já que se por um lado nem algo pode provir do nada, nem o mais perfeito pode derivar do menos perfeito?

Se assim for, também nada obsta a que demonstre a existência de um Génio do Mal.
Supondo-me novamente como ente real, finito e possuidor da ideia de uma substância infinita, qualitativamente mais real do que a finita, considerando uma mundividência estruturada em factos – reais ou ilusórios -, tudo aponta no sentido da existência de um ser mais perfeito do que o mundo, mas mesmo assim, menos perfeito do que o meu pensamento pode conceber, eu, que sou a imperfeição das imperfeições.
A tudo acresce, que a actividade do cérebro padece das mesmas limitações deste: as do espaço e do tempo. Ora, o que é limitado não tem acesso ao ilimitado: à eternidade e à infinitude. O conhecido não pode atingir o desconhecido e quando o pensa ter atingido, tem por instrumento ilusório a imaginação, como faculdade de representar no espírito objectos ausentes ou incognoscíveis.

Sem expender novos argumentos – ver infra, VIII -, teremos de ajuizar, elegendo da eventual existência da natureza do Génio, a sua qualificação – boa ou má, evitando a eterna discussão sobre a natureza do Bem e do Mal, compreendendo definitivamente se cabe naquilo que ele é, a produção de ilusões.


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VII - DA NATUREZA DA CRIAÇÃO - UM DEUS DO MAL OU DA INDIFERENÇA?



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Dizer que o Universo não é produto do acaso, mas antes de um Génio Todo-Poderoso, consciente, sábio e bom, contraria os factos, mesmo que sejam fruto de ilusão. Dizer-se que o Universo foi criado intencionalmente, com sabedoria e bondade, elevadas ao seu mais alto grau só muito dificilmente poderá ser demonstrado.
Neste mundo bélico, constatamos desde o nascimento daquilo que apelidamos civilização, mais guerras do que anos, uma imensidão de crimes horrendos, fome, miséria, sofrimento físico e psicológico quanto baste. Que Génio odioso nos terá criado e enviado para tal mundo, se é que tal Génio existe?
- Não vislumbro outro, que não um Génio do Mal ou na melhor das hipóteses, um Génio da Indiferença.

Voltaire, inspirado no terramoto de Lisboa, escreveu um polémico poema, O Desastre de Lisboa, de que publicamos alguns excertos:


Ó infelizes mortais! Ó deplorável terra!
Ó agregado horrendo que a todos os mortais encerra!
Exercício eterno que inúteis dores mantém!
Filósofos iludidos que bradais «Tudo está bem»;
Acorrei, contemplai estas ruínas malfadadas,
Estes escombros, estes despojos, estas cinzas desgraçadas,
Estas mulheres, estes infantes uns nos outros amontoados
Estes membros dispersos sob estes mármores quebrados
Cem mil desafortunados que a terra devora,
Os quais, sangrando, despedaçados, e palpitantes embora,
Enterrados com seus tectos terminam sem assistência
No horror dos tormentos sua lamentosa existência!
Aos gritos balbuciados por suas vozes expirantes,
Ao espectáculo medonho de suas cinzas fumegantes,
Direis vós: «Eis das eternas leis o cumprimento,
Quem de um Deus livre e bom requer o discernimento?»
Direis vós, perante tal amontoado de vítimas:
«Deus vingou-se, a morte deles é o preço de seus crimes»?
Que crime, que falta comentaram estes infantes
Sobre o seio materno esmagados e sangrantes?
Lisboa, que não é mais, teve ela mais vícios
Que Londres, que Paris, mergulhadas nas delícias?
Lisboa está arruinada e dança-se em Paris.

(...)

Ide interrogar as margens do Tejo;
Revolvei os escombros deste sangrento despejo;
Perguntai aos moribundos, nesta morada de pavor,
Se é o orgulho quem clama: «Ajudai-me, Senhor!
Ó céus, tende piedade do humano fadário!»
«Tudo está bem», dizeis vós, «e tudo é necessário.»
Mas quê! O Universo inteiro, sem este abismo infernal,
Sem engolir Lisboa, teria estado em maior mal?

(...)

Não, não ostenteis mais a meu coração alterado
Essas imutáveis leis da necessidade,
Essa cadeia dos corpos, dos espíritos, e dos mundos.
Ó sonhos de sábios! Ó desvarios profundos!
Deus tem na mão a corrente, e não está acorrentado;
Por sua escolha benévola tudo é determinado:
Ele é livre, ele é justo, e não é implacável.
Porque sofremos então com um amo justo e amável?

(...)

Elementos, animais, humanos, tudo está em guerra.
Há que reconhecê-lo, o “mal” está sobre a terra:
Seu princípio secreto não nos é de todo conhecido.
Do autor de todo o bem, terá o mal decorrido?

(...)

Um Deus veio consolar a nossa raça alarmada;
Visitou a terra, mas não a mudou em nada!
Diz-nos um sofista arrogante que ele o não pôde fazer:
«Ele poderia», diz outro, «mas havia de o querer:
Querê-lo-ia, sem dúvida;» e, enquanto se apregoa,
Há trovões subterrâneos que vão engolindo Lisboa,
E de trinta cidades dispersam os lambris,
Das margens sangrentas do Tejo até ao mar de Cádis.

Ou o homem nasceu culpado, e Deus pune sua raça,
Ou esse senhor absoluto do ser e do espaço,
Sem furor, sem piedade, tranquilo, indiferente,
De seus primeiros decretos segue a eterna torrente;
Ou a matéria informe, a seu mestre rebelde,
Transporta consigo defeitos tão necessários quanto ela;
Ou Deus nos põe à prova, e esta estadia mortal
Não é senão uma passagem estreita para um mundo eternal.
Aqui experimentamos dores transitórias:
Falecer é um bem que termina as nossas misérias.
Mas quando por fim sairmos desta passagem de agruras,
Qual de nós pretenderá merecer colher venturas?

(...)

Leibniz nunca me ensina por que nós invisíveis,
No mais bem ordenado dos universos possíveis,
Uma desordem eterna, um caos de infelicidades,
A nossos vãos prazeres mistura certas dores que são verdades,
Nem por que é que o inocente, tal como o culpado,
Sofre do mesmo modo este mal desgraçado.
Também não concebo como tudo estaria bem:
Sou como um médico; infelizmente nada sei.

(...)

“Um dia tudo estará bem”, eis aí a nossa esperança;
“Tudo está bem hoje em dia”, eis aqui a ilusão.

(...)


Outrora um califa, chegado à hora em que se falece,
Ao deus que adorava disse então como prece:
«Trago-te, ó único rei, único ser sem limitação,
Tudo o que não possuis na tua imensidão,
Os defeitos, os remorsos, os males e a ignorância.»
Mas poderia haver acrescentado ainda “a esperança”.


Da história, principalmente da judaica, retiraram filósofos e teólogos, a certeza de que o Génio do Bem usa o mal para daí fazer nascer o bem. Pensa-se que nada deixaria subsistir de mal na sua obra, se na sua omnipotência e bondade não tivesse a intenção de fazer derivar o bem do mal.
Como é astuto o pensamento! Que estranha forma de reconciliação entre o homem “religioso”, crente numa entidade que tem em si a ideia suprema de Bem, com a inevitabilidade do mal.
O mal é tão omnipotente no mundo, quanto o Génio do Bem na especulação dos metafísicos e teólogos. Como é que poderemos fundamentar tal facto? Se tem em si todo o poder – mesmo o inimaginável –, se ele é a ideia suprema do Bem, como pode permitir o mal? Iremos retirar-lhe o atributo da omnipotência? Ou muito simplesmente, de forma infantil, atribuímos o mal a uma outra “divindade”, a um demónio, a Satanás, em suma, ao Génio do Mal, mesmo que subalternizado? Podemos gerar a premissa, que a criação do homem – criação que só se pode compreender como acto de amor –, faz-se intrinsecamente acompanhar do seu livre arbítrio, para que o Bem seja atingido pela maioria dos seres racionais criados. Um novo argumento, engenhoso a uma primeira aproximação. Mas, na sua omnisciência, não terá o Génio Supremo previsto que tipo de mundo viria a existir atenta a imperfeita natureza dos entes racionais que gerou? E que ascender a si, restaria destinado a um punhado de eleitos?

Por vezes, em noites de insónia, construo com recurso à minha imaginação, novas realidades, novos mundos, e eu, que sou o mais imperfeito dos imperfeitos, estou certo de que todos os “meus mundos”, são melhores do que este...
E em nenhum dos meus mundos, preconizo a ilusão ou engano dos seres de que os farei povoar. Do mesmo modo, será de todo contrário à natureza divina do Génio do Bem, o engano.

Leibniz, criador da palavra teodiceia – que pretende demonstrar pela razão que não podemos imputar a Deus (Génio) os múltiplos erros do mundo –, elaborou um conjunto de argumentos, intentando demonstrar que o Génio criou o melhor dos mundos, e que na ordem é natural que exista alguma desordem, ou seja, o mal, sob pena daquela ser imperfeita – se o mundo fosse bom e só bom, seria imperfeito, já que a dissonância gera muitas vezes na composição musical, a harmonia.
Mais uma vez a argúcia falaciosa do pensamento, que inocenta o Génio da sua imperfeição, que o isenta da existência do pecado, desmorona a consonância dos “meus mundos” e pode quando muito fundamentar o argumento atinente à reparação da injustiça.

Se quisermos sintetizar a natureza do Génio, teremos de nos questionar, tal como Epicuro fez:
- O Génio quer suprimir os males do mundo e não pode – se não os pode suprimir é impotente e a divindade não o é;
- O Génio pode suprimi-los, mas não quer – então é invejosa e a divindade não o pode ser;
- Não os quer suprimir nem pode – é invejosa e impotente e a divindade também o não pode ser e não o é;
- O Génio quer e pode suprimir os muitos e terríveis males do mundo ( única atitude que é condizente com o Ser do Bem Supremo ) – então, donde provém o mal e porque é que o não elimina?

Confiai em Deus, dizem-nos. Mas que confiança e amor podeis ter num Ser que permite atrocidades constantes, a miséria, a fome, a morte por carência dos mínimos cuidados de saúde, os cataclismos que engolem tantos inocentes de modo indiscriminado, a guerra, afinal todo um conjunto de males e injustiças?
Deus criador. Não é a cadeia alimentar a maior das violências?!

Não estaremos votados desde sempre às leis da acaso ou o nosso Génio é indubitavelmente um Génio do Mal ou um Génio da Indiferença?


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VIII - ARGUMENTOS A FAVOR DA EXISTÊNCIA DE DEUS - EXPOSIÇÃO E CRÍTICA



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A (IN)UTILIDADE DA METAFÍSICA



Independentemente do que ficou explanado supra – VII -, enunciaremos agora, ainda que sinteticamente, os principais argumentos a favor da existência de Deus aduzidos por alguns filósofos representativos do pensamento ocidental.

Aristóteles tem como principal argumento o da PRIMEIRA CAUSA.
O que produz o movimento tem de estar imóvel e tem de ser eterno. Deus é o motor imóvel, que ordena o mundo no sentido da perfeição, fazendo mover o primeiro céu - como veremos, este argumento prende-se com a hierarquia da perfeição.
Também S. Tomás, que estabelece cinco provas da existência de Deus – cosmológica, causal, das coisas possíveis e das necessárias, dos graus, do ordenamento das coisas -, afirma que o movimento é uma realidade; para que este movimento exista é necessário que algo tenha produzido a sua existência, e assim sucessivamente, até que se atinja um primeiro movimento. Se tudo o que se move é movido por outrem, não podemos continuar até ao infinito na busca do primeiro movimento, não havendo assim um primeiro motor, que não é movido seja por quem for. O primeiro motor terá de ser Deus.
Também na PROVA CAUSAL (Hobbes), cada coisa tem uma causa. Remontando de causa em causa, acabaremos por encontrar uma causa que seja a original. Em sede de causas eficientes não podemos continuar até ao infinito, já que desse modo inexistiria uma primeira causa. Não existindo uma primeira causa, não existirão causas intermédias e finais, pelo que S. Tomás é levado a crer que existe uma causa primeira e que essa causa é Deus.
Por outro lado, este argumento prende-se com a hierarquia ou GRAU DE PERFEIÇÃO, já que existe um grau evidente de perfeição nas coisas. Ora, a absolutamente perfeita só poderá ser Deus, donde todas as outras derivam. Interessante é a adaptação que Aristóteles realizou do mito da caverna de Platão, donde retirava uma prova inequívoca da existência da divindade. Caso tivessem existido homens a viver em casas sumptuosas, rodeadas por tudo o que de mais belo o homem possa conceber, mas no subsolo, sem que alguma vez tivessem contemplado o mundo natural e apenas tivessem uma ideia ainda que ténue de Deus, seriam imediatamente convencidos da sua existência, se pudessem contemplar, ainda que por breves minutos, a natureza e a sua perfeição – julgo que esta interpretação poderia ter alguma validade, se esses seres “subterrâneos” emergissem numa floresta tropical, no seio de uma tribo numa ilha do Pacífico, no Alasca, mas não, nos subúrbios de Bombaim, S. Paulo, Luanda, Maputo, num qualquer cenário de guerra ou num hospital do terceiro mundo.
Acresce a PROVA ONTOLÓGICA (S. Anselmo). Se Deus é o que de maior pode ser pensado, e se como tal esse objecto do pensamento não tem existência, outro como ele e que exista será maior. Assim o maior dos objectos do pensamento terá de existir, sob pena de ser possível a existência de um maior, ao que Deus existe.
Também Leibniz expõe vários argumentos, entre os quais o ONTOLÓGICO, o COSMOLÓGICO e o DAS VERDADES ETERNAS. Pelo primeiro entende que podemos conceber um Ser maximamente perfeito, donde se segue que existe, porque a existência está entre o número das perfeições. O segundo, argumento da causa primeira, atesta que se toda a coisa finita tem uma causa, não poderá manter-se uma sucessão infinita de causas, havendo assim uma causa sem causa, que é Deus, ou seja, como tudo tem de ter uma razão suficiente, a do Universo será Deus. O terceiro refere que as proposições que respeitam à essência e não à existência, ou são sempre verdadeiras ou nunca o são, pelo que as que são sempre verdadeiras, são verdades eternas.

Verificamos ainda a existência da PROVA DAS COISAS POSSÍVEIS E DAS NECESSÁRIAS, da PROVA DO ORDENAMENTO DAS COISAS (S. Tomás) e do argumento relativo À REPARAÇÃO DA INJUSTIÇA.
No que toca à primeira prova, constatamos que neste mundo as coisas são mudáveis e dependem de outras na sua existência. As coisas possíveis existem como consequência das coisas necessárias. As necessárias têm a causa dessa necessidade em si mesmas ou em qualquer outra. Estas últimas, remetendo para outra, e assim sucessivamente, poderiam levar-nos até ao infinito, o que repugna à razão, pelo que, necessitamos de encontrar algo nessa cadeia, que seja necessário por si e esse Ser necessário por si, é Deus.
Relativamente à segunda, constatamos a existência de uma ordem no Universo, ordem essa que deve depender de uma Inteligência Suprema, em virtude das coisas privadas de inteligência terem uma finalidade, uma ordem, pressupondo um Ser inteligente que as governa e, que só pode ser Deus.
No que ao terceiro argumento respeita, considera-se necessária a existência de Deus para que a justiça seja reposta num mundo injusto


Sem que nos alonguemos na análise dos argumentos expostos, arriscando-nos a entediar os leitores, dir-se-á, que, em regra, em todos aqueles que se estribam na impossibilidade lógica de ascendermos ao infinito, em sucessivas indagações, transportando-nos quase que de modo automático à existência de Deus, poderemos questionar-nos:
Se Deus é o primeiro movimento, porque este tem de ser produzido por alguém e não podemos logicamente remontar ao infinito; se Deus é a primeira causa, já que cada coisa tem uma causa e não podemos remontar ao infinito, sendo ainda uma causa necessária; se Deus é o que de mais perfeito existe, porquanto existindo um grau de perfeição nas coisas só ele o pode ser; se Deus é o que de maior pode ser pensado, tem de existir, sob pena de ser possível verificar a existência de um maior, então, se tudo o que existe tem por origem o movimento, se em todas as coisas há um grau de perfeição, se todas as coisas têm uma determinada grandeza, se tudo tem uma causa, não a deverá Deus também possuir? E esta causa, não lhe será qualitativa e hierarquicamente superior?
Ou seja, coloca-se aqui uma questão fundamental: Quem criou Deus?
Anote-se que não conseguimos discernir nenhum argumento válido para que o mundo tenha surgido sem qualquer causa – fruto do acaso.

No domínio das VERDADES ETERNAS, nada nos garante que existam, e se existirem, estarão ao alcance do ser humano e do seu conhecimento limitado pelo espaço-tempo? – Supra vimos que não.
Já a PROVA DO ORDENAMENTO DAS COISAS merece reparo consequente e substancialmente idêntico ao argumento QUANTO À REPARAÇÃO DA INJUSTIÇA. Não será necessário sustentar que haja uma absoluta necessidade de alguém ordenar o Universo, mais ainda, quando essa ordenação poderia ser bem mais perfeita do que aquilo que é. Por outro lado, perante tal ordenamento universal, a injustiça no mundo é facto indesmentível, como também a sua existência é um argumento que joga mais contra a divindade do que a seu favor. Não é crível que um Ser Todo-Poderoso crie um mundo repleto de imperfeições e injustiças, para depois as corrigir em “julgamento final” num qualquer Inferno ou Paraíso. Seria munir de engenhos incendiários um piromaníaco para depois o condenar, invocando a culpa na formação da sua própria personalidade.


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